30 de jun. de 2010

Línguas rubras dos amantes
Sonhos sempre incandescentes
Recomeçam desde instantes
Que os julgamos mais ausentes

Ah, recomeçar, recomeçar
Como canções e epidemias
Ah, recomeçar como as colheitas
Como a lua e a covardia
Ah, recomeçar como a paixão e o fogo

25 de jun. de 2010

Regra dos três

No final das contas nós dois estávamos cobertos de razão. Você sempre foi auto-ajuda, não gostava de ver ninguém sofrendo, acreditava nos limites terapêuticos da tristeza humana, nos poderes do pensamento positivo. Preferia filmes leves, levinhos, bobinhos, e, mesmo nestes, evitava demorar o pensamento. Músicas, só aquelas que se encaixam facilmente a qualquer pessoa. (Penso que essa sua mania de querer se encontrar em tudo era um sinal agudo de carência. Ver-se refletida nas músicas simples, na arte de fácil assimilação, nos programas baixo-nível de televisão: coisas que acariciavam seu ego frouxo, defeituoso de nascença.)

Imitava Freitas dos Santos no oportunismo barato e na mornitude; maldita auto-confiança que te fazia acreditar no seu melhor, no melhor do mundo, no meu melhor. E ao mesmo tempo o mundo não passava de um seu-exterior; o universo se curvando à sua boa vontade, à sua segurança comprada na prateleira dos destaques de qualquer livraria, aos frutos que você necessariamente colheria a cada boa atitude. Era seu ego o vórtice de todo o cosmos. Fraternidade, respeito e compaixão utilizados em barganhas mesquinhas. Andava nas rua, fazia os trajetos, mas nunca se via no chão; não era uma igual.

Nunca roubou cerveja e chocolate do mercado, não por caráter ou princípio, mas por que podia ser você, um dia, a dona do mercado.

Eu era o completo oposto e sei que você não fazia idéia disso. Meu desprezo pela honestidade íntima chegou ao ponto de me fazer fingir que éramos iguais só pelo prazer de levar a vida a me enganar e a me ver enganando você. Andava sempre a baixo do chão, olhando o mundo lá no alto como se a regra fosse a desordem que nunca retribui, que não permite eqüidistância, equilíbrio, equivalências. Roubava chocolate/camisinhas/vinho no mercado e, na floricultura, pedia descontos até irritar. No final das contas, tudo, exceto as rosas (que você guardava no copo), acabava misturado dentro de você (fermentando, estourando, martelando, fecundando, embriagando). Minha desordem cafajeste estufando de mentiras a sua axiologia tão distinta da minha. Você não roubava nada com medo de ser roubada, mas nossas penas foram as mesmas. Passamos a vida inteira presos um ao outro, na dança elaborada e precisa das nossas mentiras.