27 de mai. de 2010

Interceptado

" Você sabe que as vezes, na rua, sinto vontade de falar com alguém e me vem à mente o dia em que a gente saiu para dar um jeito de arrumar um atestado médico para mim em plena quinta-feira. É pq aquele dia fez sol e eu procrastinei...faltei no trabalho, menti, fui mal na prova...é o tipo de momento que flutua na membrana da mente quando olho o teto branco do meu quarto, quando vejo a Barra - Funda correr pela janela do trem; ai sinto vontade de contar para alguém, mas não sei o que dizer.

Entre as minhas idéias e o mundo, suponho, há um interstício intransponível. Uma catedral de afasia a ser atravessada. A única forma de reduzi-la é escrevendo - em palavras escritas fica mais fácil imprimir ao mundo exterior essa coisa impalpável que se move na mente quando olho o vazio. ( e então sinto inveja de quem sabe falar o que pensa como se fosse uma verdade simples e absoluta... como se para cada palavra dita apenas um sentido pudesse ser empregado por quem ouve... esse tipo de gente que entra em uma roda de conversa e em poucos segundos faz comentários tão superficiais e despretensiosos que tem-se a impressão de que eles mesmos propuseram os assuntos).

Mas é certo que ninguém leria um papel entregue por um jovem de olhos perdidos, olhos mais velhos que o resto do corpo, exceto, talvez, pelas mãos também velhas - como se os olhos e as mãos tivessem nascido antes e esperado alguns anos pelo resto do corpo. A solução seria sentar na calçada, a exemplo do que fazem os mendigos daquela cidade sem vento, e escrever a minha história no chão. Esperar que, ao invés de moedas oxidadas, me lessem.

Mas por quem eu transporia esse vão de idéias e palavras?"

Um comentário:

acapuani disse...

palavras simples que fazem uma oração ser tão bela. Gostei do texto :D